domingo, 14 de junho de 2009

Devotos ao Vivo, 20 anos (2009)


Este “Devotos: 20 Anos” é histórico por vários motivos. Primeiro, por se tratar do registro comemorativo de duas décadas de uma banda que permanece fiel ao mesmo discurso desde o dia em que foi criada. Não bastasse, tal show foi gravado no Alto José do Pinho, local que ficou nacionalmente conhecido por causa do trio. E, para quem acompanha de perto a carreira da banda, um disco ao vivo era um desejo antigo dos fãs, pois sempre foi nos shows que o grupo mostrou seu potencial máximo: a capacidade quase sobre-humana de testar o fôlego do público em rodas de pogo que começam na primeira música e só terminam na última. Junte-se a tudo isso o fator qualidade: a captação do som do show é de primeiro mundo.
Apesar de ganhar luz e notoriedade muito em função do movimento mangue, no início dos anos 1990, o Alto José do Pinho sempre foi uma cena à parte, e, o Devotos, seu principal representante. Era – e ainda é – difícil explicar para quem é de fora de Pernambuco que existe um morro no Recife em que é possível encontrar uma cena roqueira organizada. E que os protagonistas de tal cena conseguiram desenvolver trabalhos de cunho social, como a criação de uma Ong e de uma rádio comunitária. O fato é que o mais novo produto criado por essa geração é simplesmente impecável. Do projeto gráfico ao som, tudo foi feito com um esmero e cuidado louváveis. O disco traz estampado o cartaz do primeiro show do então Devotos do Ódio, que debutava em 06 de agosto de 1988, no III Encontro Anti-Nuclear. No encarte, fotos da roda-de-pogo e do público que lotou o Alto para celebrar os vinte anos da banda. Na contracapa, o set list do show.

Para quem esteve no Alto José do Pinho no dia 21 de setembro de 2008, o disco é uma reprodução fidelíssima do que foi o show: 31 músicas executadas em pouco mais de 75 minutos para um público que transitava por todas as classes sociais. Aos que não estiveram lá, o CD dá uma clara dimensão do que foi aquela noite: do berro de Cannibal no início vociferando “Tudo que eu queria não podia terminar” (“Dia Morto”) até o “Punk Rock Hardcore, sabe onde é que faz, AQUI no Alto José do Pinho”do final, o que se ouve entre as duas pontas é aquilo que todo fã do Devotos conhece, acrescido de muita emoção pela data comemorada e pela ousadia de comemorá-la aonde tudo começou.

É possível notar também o quanto o trio evoluiu com o passar dos anos. O álbum faz justiça, em especial, à dupla Celo e Neilton. Prova disso é o novo arranjo que “Assis” ganhou, ficando mais trabalhada e cadenciada em relação à versão gravada em “A Hora da Batalha”. Outras músicas são marcadas, aqui e acolá, por um solo um pouco mais elaborado de Neilton, que nunca se conformou com os limites estabelecidos da cartilha dos três acodes do punk rock. Mas é Celo que se sobressai aqui: dá para perceber nitidamente o baterista excelente que ele é, e por que precisa de outros projetos fora do Devotos para expandir seus horizontes musicais.

As participações especiais também são um belo tiro no alvo. Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado, empresta sua alucinada poesia para “Dança das Almas”, e Cannibal devolve a gentileza com uma versão furiosa para “A Matadeira”, que, na ocasião, quase levou o Alto abaixo. Clemente, dos Inocentes, inspiração para a criação da banda, aparece em “Alien”, “Brincando do Jeito que Dá”, “Eu Tenho Pressa”, “Roda Punk”, “Futuro Inseguro” e “Punk Rock Hardcore Alto José do Pinho”. Adilson Ronrona, do Matalanamão, comparece em “Sociedade Alternativa” e “Mim Dai”, numa bela homenagem do Devotos ao Matala. Mas a participação mais impressionante de todas é a do Afoxé Ylê de Egaba (também do Alto), que interage com a banda em “Mas Eu Insisto”, mostrando que as raízes do punk e dos cultos afro-brasileiros não são lá tão diferentes quanto julgamos.

Mas é na sua essência, no trio Cannibal/Neilton/Celo, que reside toda força da banda, seja em clássicas do clássico “Agora tá Valendo” (1997) como nas mais recentes de “Flores Com Espinho Para o Rei” (2005). “Devotos: 20 Anos” é exatamente o que se propõe a ser: um registro histórico de uma banda que não se contenta apenas em ser banda, mas que reivindica para si o status de projeto social. Alguém aí duvida que seja?

(Hugo Montarroyos)

set list:

1. Dia Morto
2. Nós Faremos Que Você Nunca Esqueça
3. Caso de Amor e Ódio
4. Nosso Ninho
5. Luta Pacifista
6. Guerra de Criança
7. C.O.S
8. O Herói
9. Dança das Almas
10. A Matadeira
11. A Vida Que Você Me Deu
12. Radio Comunitária Pra Informar
13. Vida de Ferreiro
14. Assis
15. O Céu x o Inferno
16. Mas Eu Insisto
17. Tem de Tudo
18. Favela
19. Canção Para Mudar
20. Faz Parte do Cotidiano
21. Sociedade Alternativa
22. Mim Daí
23. Asa Preta
24. Luz da Salivação
25. Meu Bairro é o Maior


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